“Os nossos colaboradores sentem que fazem
parte da construção de algo maior”

joao moreira abaco consulting ceo

Entrevista de João Moreira, CEO da Abaco Consulting para a RH Magazine: https://bit.ly/36MbLD6

 

Há 17 anos, os sócios da Abaco decidiram juntara-se e decidiram constituir a empresa que tem hoje escritórios em Lisboa, Porto, São Paulo e Londres e o seu ADN reside na indústria. A sua atividade passa pela implementação de ERP’s SAP e tem muita experiência no tecido industrial português.

Desde a sua origem os fundadores da empresa tiveram uma visão da dimensão humana da organização. Integraram logo desde o início, apesar de, na altura, a Abaco ser uma empresa muito pequena, com dez consultores, um modelo de compensação orientado para o desempenho de cada um, por um lado, uma avaliação e um sistema de gestão de desempenho, por outro lado, e um sistema de partilha de resultados com todos os seus colaboradores.

Isto são práticas que a empresa tem desde a sua fundação, desde a sua génese, e que estão enraizadas no seu ADN. A RHmagazine conversou com João Moreira, o seu atual CEO para conhecer melhor as práticas atuais da organização.

 

RHM – Na Ábaco a liderança mostra o exemplo…

JM – Nós, enquanto organização, acreditamos muito nessa filosofia do exemplo. Os escritórios de Lisboa e Porto não tem gabinetes. Eu, enquanto CEO não tenho gabinete, trabalho no open space como qualquer administrador ou diretor, todos trabalhamos no open space porque entendemos que isso é também uma prática no sentido de não criar barreiras de contacto nos colaboradores com a organização. Isto a propósito do exemplo, nós próprios damos o exemplo e fazemos questão que o mesmo acontece ao nível das ferramentas: também utilizamos o SuccessFactors, também utilizamos o ERP da SAP como nosso ERP, também utilizamos o CRM da SAP como nosso CRM e, portanto, não gostamos de vender aquilo em que não acreditamos aos nossos clientes.

RHM – Foquemo-nos nas vossas práticas de recursos humanos. Tem sido mais difícil recrutar? Como é que vocês estão a sentir o mercado do recrutamento?

JM – Duas vertentes: uma é que o mercado está muito quente no sector do IT. Continuam a existir muitas multinacionais a deslocarem-se para Portugal e instalarem aqui os seus shared services ou os seus centros de desenvolvimento, mas na verdade não competem no mercado português. Competem no mercado europeu ou nos seus países de origem e acabam por ter e por oferecer condições bastante melhores do que nós. O mercado está muito competitivo, Portugal continua a ser um país muito interessante no contexto europeu, quer pelas competências técnicas, quer pelas competências linguísticas e agora, enfim, por este atrativo que tem enquanto país, um pouco arrastado pelo turismo. É difícil recrutar, como disse neste momento o mercado está muito quente e temos uma concorrência que tem outra dimensão, tem outra capacidade e não opera no mercado português, logo, temos tido muita dificuldade em contratar.

Por outro lado, devido à disponibilização introduzida pelos meios digitais, hoje em dia torna-se muito mais fácil estabelecer contacto com potenciais candidatos. As pessoas estão todas muito mais abertas, o digital passou a ter hegemonia enquanto forma de contacto e isto ao acontecer veio facilitar o processo de chegar aos candidatos, tornando-se, por mais estranho que pareça, muito mais simples do que quando imperava o modelo presencial.

 

RHM – E como é que uma empresa portuguesa como a Ábaco se diferencia, ou seja, o que é que vocês conseguem oferecer que as multinacionais ou as empresas de shared services não? Qual é o vosso argumento para captar o talento de que precisam?

JM – O nosso argumento incide essencialmente naquilo que é a nossa história e prática nos recursos humanos. O feedback que nós recolhemos no mercado e junto das pessoas cujo processo de recrutamento e seleção acaba por se concretizar é que sentem que fazem parte de algo, ou seja, que contribuem para a construção de algo. Este é um dos pontos importantes. Um outro feedback que também recolhemos é o de que existe um verdadeiro espírito de equipa dentro da organização Abaco. Todos, de alguma forma, se sentem parte e contribuem para um desígnio maior. E essa é, talvez, a nossa vantagem competitiva porque não é a dimensão, seguramente, e eu aqui estou a restinguir-me àquilo que é o universo do mundo SAP pois, se eu alargar mais e pensar numa Google ou numa Microsoft, enfim, nessas grandes corporações, naturalmente nós não temos essa dimensão nem diversidade. No entanto, sentimos que as pessoas hoje têm uma tendência para gostar de sentir que fazem parte, e que contribuem, e que têm a sua “pegada” naquilo que é a construção de um projeto, seja ele o nosso ou outro qualquer. As pessoas gostam de sentir que são parte de e assim sendo há muito candidatos que de alguma forma não se reveem nas grandes multinacionais porque aí são mais um número.

 

RHM – E quando o João diz: «- Os candidatos gostam de sentir que estão a construir algo maior.» Pergunto, qual é esse projeto? Qual é o vosso propósito?

JM – O que nós verdadeiramente queremos é construir um sistema de informação que permita aos nossos clientes melhorar a sua gestão e a sua eficiência operacional.

Sentimos que, na nossa atividade, uma das coisas que oferecemos é a riqueza do ponto de vista de experiências, isto é, eu hoje estou numa empresa do sector têxtil, amanhã estou numa empresa do sector de engenharia e construção ou no sector automóvel, que é um sector muito forte na Abaco. Estas organizações têm culturas diferentes, têm formas de trabalho diferentes, têm processos de tomada de decisão diferentes e, portanto, a possibilidade de puder acumular experiências de trabalho nestas diferentes realidades é muito enriquecedora para qualquer pessoa. É também mais cansativo, nós sabemos, porque uma coisa é ter uma rotina normal de quem está com determinado cliente há 10 anos ou 20 anos, outra coisa é estar num cliente hoje e amanhã estar em aqueloutro.

Ora esta rotatividade traduz-se na participação em ciclos de transformação quando se implementa um ERP, e infelizmente em Portugal não se fazem muitos projetos de gestão da mudança, porque um ERP é uma transformação numa organização, implica transformar parte dos seus processos, não direi todos, mas pelo menos parte dos seus processos. Ao participarmos neste processo de transformação e de mudança integramos um desafio extremamente enriquecedor e completamente diferente.

É esse o nosso propósito, implementarmos um ERP numa organização, é sentirmos que participamos naquilo que é a definição de um novo modelo de sistema de informação, que é o coração do sistema de informação (que é o ERP numa organização) que irá conduzir a um novo modelo de gestão que possa ter melhor qualidade de informação e, consequentemente, que introduza maior tomada de decisão, tornando a gestão mais eficiente e mais eficaz. Participar disto é uma coisa única, é uma coisa fantástica.

Para lhe dar um exemplo, eu no meu trajeto pessoal passei por várias áreas e uma delas foi a do hardware, por exemplo. Trabalhar hardware, que é a parte infraestrutural, é completamente diferente de trabalhar nesta área do ERP. No hardware eu raramente tinha um contacto ao nível do Board, o contacto cingia-se ao Diretor de Sistemas de Informação, ao CIO no melhor dos cenários. Já na Abaco é natural que, regularmente, tenhamos uma participação e uma colaboração direta com o Board das empresas. Ora, creio que ter esta oportunidade é uma coisa fantástica. Podermos participar dos processos de decisão e aprender… Porque acima de tudo aprendemos muito com isto, vemos organizações que são mais democratas na sua tomada de decisão e vemos outras organizações que são do one man show que toma todas as decisões. A beleza disto não tem preço.

 

RHM – A nível da gestão da carreira, na Abaco os colaboradores podem aspirar a evoluir e a fazer toda a carreira na empresa?

JM – Sim. No nosso Plano de Carreira temos desde as categorias mais Junior até aos Consultores. Depois, como Consultores, temos os Sénior, temos os Especialistas e depois temos os Arquitetos, que já é um patamar mais alto. A partir dos Sénior os colaboradores podem evoluir para uma carreira de Especialista que culmina no Arquiteto ou podem evoluir para uma carreira de Gestão, assumindo responsabilidades, nomeadamente, de Gestão de Projeto ou de Gestão de Área ou até de Direção de uma Área. A partir de um determinado nível há uma bifurcação da carreira, digamos assim, onde os nossos colaboradores podem evoluir tornando-se especialistas no sentido técnico ou evoluir integrando mais uma área de gestão.

 

RHM– Como é que se consegue manter a cultura Abaco com esta dispersão que todos nós estamos a evidenciar ?

JM – Primeiro, foi uma aprendizagem muito interessante porque mesmo internamente nós tínhamos todo um conjunto de barreiras psicológicas, chamemos-lhe assim, em relação ao facto de podermos fazer projetos sem ser no cliente. E estou a falar disto porque nós hoje já temos uma área de manutenção e suporte que sempre trabalhou remotamente. O trabalho remoto não foi para nós uma coisa nova, pois já há muito tempo que trabalhávamos assim com alguns clientes. Mas na implementação de um projeto ciclo completo, de raiz, transformacional, aí sempre houve muito ceticismo em relação ao facto de trabalharmos remotamente, nós nunca acreditámos nisso e, de uma forma geral, aí sempre houve muito ceticismo.

É de facto aqui, neste caso, que a pandemia nos obriga a repensar muitas destas coisas e, assim, transformámos as reuniões presenciais em reuniões teams. Criámos internamente aquilo designámos de Our Digital Workplace que é uma plataforma nossa, que nos permite comunicar quer internamente, quer externamente, através da qual verificámos que, de facto, é possível fazer projetos remotamente. Fizemos, inclusivamente, um inquérito interno junto das nossas pessoas e, portanto, a decisão resulta também de um modelo participativo, se assim o entender. Então, tomámos a decisão, e eu já a comuniquei, de optar pelo modelo que nós chamamos “remote first” ou se quiser o modelo híbrido, mas que só vamos começar a implementar a partir de setembro. Até lá continuaremos a trabalhar maioritariamente a nível remoto.

Mas grande parte do trabalho em que muitas vezes o modelo era o de quando ganhávamos um projeto a equipa ia para o cliente e ficava lá nos próximos 9 meses a um ano, porque normalmente trabalhamos em projetos longos, ora grande parte desse trabalho acabou, em termos de paradigma mudou. Nós hoje em dia trabalhamos preferencialmente num modelo remoto, porque também foi essa a resposta dos nossos consultores que preferem o modelo remoto no sentido em que é o mais equilibrado, até mais do ponto de vista profissional do que do ponto de vista pessoal. Ao princípio, de facto, estranharam, muitos deles não acreditaram, mas hoje em dia preferem-no.

Nós vamos é adotar um modelo remoto em que as pessoas vão duas a três vez por semana ao escritório, normalmente por áreas e não necessariamente as pessoas todas, mas por áreas de especialização, fazer reuniões de equipa para continuar a propagar a nossa cultura, o nosso ADN. Aí, de facto, as reuniões presenciais são importantes, embora eu continue a acreditar, e durante a pandemia o que digo acabou por ser visível, que nós não deixamos de comunicar pelo simples facto de não estarmos presencialmente, e quando digo comunicar não é comunicar necessariamente só através de reuniões no teams ou através dos emails de comunicação geral que podemos fazer. A nossa comunicação acaba por ser pelas nossas atitudes no day by day e é isso que reflete, no final do dia, o ADN.

É nas pequenas decisões que se interpreta aquilo que é a cultura da organização, não é necessariamente nas grandes comunicações ou nas grandes decisões. As grandes comunicações e as grandes decisões normalmente são o resultado de um trabalho já anterior, que reflete um conjunto de atitudes que foram sendo somadas ao longo do tempo e que culminou naquela decisão como sendo quase uma coisa natural.